Paulo Grillo
New York tem dessas coisas

O espírito de liberdade e rebeldia em relação a qualquer forma de conservadorismo é algo que, reza a lenda, corre no sangue de qualquer nova-iorquino - e nova-iorquino, leia-se, qualquer um que more por algum tempo aqui. Eu, que estou aqui ha quatro meses, tinha essa noção mais pelo boca a boca, pelo noticiário. A Parada Gay, que foi meu maior evento publico por aqui, tinha lá seus traços políticos indicando essa aptidão natural do nova-iorquino em protestar, mas até aí tudo acabou em festa, como foi aí no Rio.
Mais interessante, então, foi que meu debut nessa arte de protestar em New York aconteceu um pouco por acaso. Estava de bicicleta na cidade, minha primeira ida sobre rodas. New York tem muitos ciclistas pelas ruas, muitos deles são delivery boys, messengers, outros são verdadeiros militantes do clube não polua o ar da cidade (inclusive ha uma camisa típica entre ciclistas daqui com os dizeres ?One Less Car?). Na verdade, estava de bicicleta pois ia tratar de assuntos pessoais que envolviam a necessidade de se ter uma bicicleta. Mas depois, no meu tempo livre, quis aproveitar as largas avenidas e dar uma volta meio sem rumo... just for fun!
Enquanto rodava pela cidade via uma quantidade enorme de policiais, muitos desvios no trânsito, tudo isso por conta da Convenção Nacional Republicana, que acontece no Madison Square Garden, a partir desta semana. Tentei fugir então de toda a confusão que estava por lá - eu passava exatamente entre a 31 e 32, na porta do MSG - e imaginei que no Union Square talvez estivesse cheio de gente, inclusive alguns protestantes. Lá, que é um ponto de encontro de muitos jovens (e meu lugar preferido daqui), é também o santuário da cena política e cultural da cidade, com muitas apresentações de artes variadas, gente dançando break, outras falando em megafones sobre o abuso da guerra, o direito dos gays, além, é claro, do maior numero de gente cool por metro quadrado na cidade.
Não demorou nem cinco minutos ao estar lá para que visse um monte de gente amontoada na beira da calçada vendo algo passar. Eu e minha bicicleta chegamos perto e a primeira coisa que me veio à cabeça quando vi aquela quantidade de ciclistas gritando ?No More Bush, No More Bush? foi que não podia existir melhor exemplo de right timing. Eu podia estar lá no Union Square, afinal sempre estou, mas de bicicleta, e no dia em que um protesto de bicicleta toma conta da maior parte dos noticiários da cidade? Por favor...

Essa foi uma pergunta que me fiz mais de uma vez, inclusive. Bush leva a fama de burro e em momentos como esse faz completo sentido: qualquer pesquisa em New York atesta uma derrota catastrófica para Bush, então por que se meter aqui para fazer a grande festa republicana - o mais conservador dos partidos, na mais liberal das cidades.
No protesto das bicicletas tomamos como a 5ª e a 6ª avenidas de assalto e não houve polícia que nos impedisse. Muito inteligente foi a idéia de se fazer um protesto sobre rodas (como ficou conhecido por aqui) por que não havia como conter um número de gente tão grande com capacidade de se dispersar muito rápido pela cidade. O efeito foi devastador! A cidade parou desde a Houston St., no sul da ilha, até a parte mais baixa do Central Park. A idéia se resume ao refrão que gritavam: ?Who`s Street??, ?Our Street!?.
O protesto sobre rodas foi o primeiro de uma lista extensa de manifestações que vão pipocar pela cidade durante esta semana. Tirando a derrota judicial que impediu um grupo de tomar o Central Park para uma passeata que imaginava reunir quinhentas mil pessoas, essa é a hora mais feliz para New York se fazer escutar em sua tradição militante e liberal. De quem é a rua, New York se pergunta. Da aceitação, das diferenças, da extravagância, da falta de culpa, ou do moralismo ultra-radical republicano? Bush escolheu mal o lugar para montar a sua festa. E não vai ter nada melhor para fazer nesta semana do que bancar o estraga prazeres.