Paulo Grillo
FAHRENHEIT 9/11 NÃO É O QUE SE ESPERA
Uma das coisas que me lembrei quando vi Fahrenheit 9/11 foi minha aula da faculdade sobre documentários. Meu professor dizia: um documentário é aquilo que o diretor decide chamar de documentário. Fahrenheit 9/11 portanto é um documentário. Mas, durante as discussões nessas aulas, uma das coisas que ficou claro para mim é que, ainda que nenhum documentário possa transmitir uma verdade crua, ele precisa ser muito bem apurado na escolha de seus argumentos (ou fatos).

O pensamento corrente nos Estados Unidos relacionado à política traz traços de um maniqueísmo medieval. A mídia em grande parte alimenta este tipo de pensamento, porque em vez de discussões sobre idéias, a maioria das manchetes aponta traços da personalidade de Bush ou Kerry, o tipo de vida que levam, quanto tem no banco cada um e se suas mulheres são ou não representantes do clássico estilo 'happy homemaker'. O princípio básico do julgamento dos candidatos aqui se baseia numa idéia que recorda, ainda que sob uma cortina de fumaça, o nazi-fascismo e o culto ao líder.
Lembro-me que pouco tempo atrás, a campanha de Kerry, dizia o New York Post, estava entrando em ruínas por causa do 'escândalo' (aspas do jornal) que foi a polêmica envolvendo o fato de ele ter jogado fora ou não suas medalhas de honra pela guerra do Vietnã. Ou de Bush na ciranda jornalística porque crê na sua missão de propagar os valores morais americanos em sua campanha contra o casamento gay. Não me recordo, entretanto, de uma matéria que apontasse de uma maneira detalhada as idéias dos candidatos para, por exemplo, a reconstrução do Iraque. Tudo se centra no mito em torno da figura do lider - não da máquina que, todos sabem, é, de fato, um governo.
Essa é a mesma linha de pensamento com que Moore nos brinda em Fahrenheit 9/11. Ele nestas duas horas de filme nos apresenta momentos felizes de um ponto de vista, mas parece minguar um jogo que se dá como ganho. E por que? Em grande parte por deixar transparecer que está travando uma batalha pessoal contra George W. Bush, não contra suas ações como presidente.
Não é difícil apontar as incoerências de uma administração ultra-conservadora, que trava uma guerra e dissemina uma perseguição dentro e fora dos Estados Unidos. Por isso me pergunto por que tentar colar a imagem de Bin Laden a de Bush. Não parece muito maniqueísta - primeiro corroborar a ideia de que Bin Laden representa o mal e segundo tentar colar em Bush o mesmo status? Outra pergunta que me faço: como pode um documentário se opor a uma era do culto ao lider, do chamado 'Chief in Comand', e colocar em um pedestal, logo em seus primeiros minutos de filme, o democrata Al Gore?

Michael Moore chama seu filme de documentário, entretanto isso seria mais plausível, se no corte final estivessem somente cenas marcantes como a da mãe que perde seu filho na Guerra do Iraque, ou da piada ácida e inteligentíssima que são os congressistas americanos fugindo de um papel e caneta que poderiam enviar seus filhos ao Iraque. Da obra de arte, de denúncia, que se podia fazer desse documentário, o que se vê é algo muito aquém da expectativa que gera, tanto pela limitação imposta a Moore por seus valores culturais americanos, quanto por sua gana de fazer algo politicamente (o filme foi lançado as vésperas da eleição) para impedir uma possível prorrogação de quatro anos na Era Bush. A gente vê um filme de alguém que quer muito queimar uma outra pessoa. Tanto, que chega às vezes a sair como um tiro pela culatra, como quando alguns republicanos, com razão, diminuem o eco da crítica anti-bush, pela falta de verdade ou de força de seus argumentos.
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Nota da redação:
Fahrenheit 9/11 tem estréia no Brasil dia 30/07.
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