9.11.04

POR QUE BUSH?

CONEXÃO N.Y.
Paulo Grillo

Por que Bush?



A reeleição de Bush filho aqui nos Estados Unidos não era o que o mundo esperava. Deu zebra, teve roubo, a pesquisa boca de urna deu Kerry - ninguém queria acreditar. Mas ele foi reeleito, e, dessa vez, sem qualquer margem de dúvida: ganhou pelo voto popular e pelos votos eleitorais.

Dá pra pensar que ninguém entendeu nada: tanto a história dos votos eleitorais vs. populares como sua própria reeleição. Afinal, foi ele quem deu o primeiro passo para a catástrofe que é o Iraque hoje. Ele mentiu, as armas de destruiçao em massa nunca apareceram. Há uma lista sem fim de argumentos que hoje qualquer um enumera pra fazer valer a opinião que não, ele não deveria ganhar um segundo mandato de presidente.

Mas a história aqui nos Estados Unidos é diferente. Como vimos na última quarta-feira, nada disso fez a menor diferença. Valeu mais foi o medo de que a América fosse mais uma vez atacada. A imagem do "xerife" foi fundamental para que ele ganhasse o passaporte de volta à Casa Branca.

Com o resultado, a gente percebe que os americanos votaram contaminados pelo medo. Pela necessidade do tal Commander-in-Chief. É essa a expressão que se usa aqui quando se fala do presidente. Foi o eco mais corriqueiro durante estes ultimos meses a suposta falta de habilidade de Kerry para ser um "comandante". Não quero entrar no mérito de que a habilidade fundamental do governante da maior potência do mundo deva ser o uso da força, mas, se o Kerry discordava disso - como parecia indicar -, o coitado foi obrigado a entrar na dança. Foi esse, talvez, seu maior erro.

Na campanha falou-se e falou-se do herói de guerra que foi o democrata no Vietnã. Que ele comandou jangadas. Que ele era sim um comandante. Que ele era a resposta para uma "América Mais Forte" (A Stronger America), o slogan de sua campanha. Kerry se disfarçou com o radicalismo de Bush. Ele precisava ganhar os votos do cinturão conservador do sul e meio-oeste do país.

Mas aí Bush contratacou, ora-bolas. Essa imagem de comandante que Kerry planejou vender esbarrou na sua figura real, no seu melhor: o discurso de que a guerra foi um erro, de que os Estados Unidos necessitam ter uma posição conciliatória com o resto do mundo - tudo aquilo que fora daqui toda a gente está cansada de falar. Kerry ficou na coluna do meio e assim virou o flip-flop. O barulho do chinelo. Flip, de um lado, flop, de outro. Esse era o apelidinho que os aliados de Bush fizeram pegar.

A proposta de Bush acabou colando: Kerry muda de idéia muito fácil. E numa situação de perigo, você confiaria num cara, assim, digamos, que não é firme?

As eleições aqui não passaram pela questão moral da declaração de uma guerra, não foi um cala-a-boca como resposta para o mais rápido fim de uma política que levou milhares de meninos americanos para a lembrança de suas mães. Foi medo. Foi a ilusão do individualismo. Não importa nada, senão que minha casa e a minha família não sejam atacadas.

Perfeito para Bush: faturou em cima de uma prepotência disfarçada de preemptive atack. Mal para um dos berços da democracia: na terra da liberdade, só homens como Bush tem crédito para ser presidente.

Agora são mais quatro anos.

"God Bless the America"


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Para matar a curiosidade:

O sistema eleitoral dos Estados Unidos funciona de maneira diferente em cada estado. A América leva a risca o sentido de república federativa. Cada estado tem seus próprios candidatos a presidência, seu tipo de cedula eleitoral, e mesmo a forma como qual os votos vão ser distribuídos.

As eleições nos EUA são diretas, mas também indiretas. Funciona da seguinte maneira: cada estado tem um número determinado de pontos eleitorais, que são calculados a partir do número de sua população. Por exemplo, Nova York, populoso, vale 34 pontos eleitorais, Alaska, vale 3.

O sistema para calcular os votos é conhecido como winner-takes-all. O candidato mais votado em um estado leva todos os seus pontos. Esses pontos servem para o seguinte: eles é que dão o direito dos candidatos indicarem delegados para o Colégio Eleitoral, que no fim vai decidir a eleição. Quem chega a 270 tem a maioria no Colégio Eleitoral e, portanto, eleito.

Nem sempre, entretanto, o que tem mais pontos é o que recebeu mais votos no geral. Imagine por exemplo que Kerry levou os pontos de New York, mas com uma margem de diferença pequena em relação a George Bush. Agora imagine uma situação em que mais de 90% das pessoas de NY votaram em Kerry. Sobre os pontos eleitorais ele permaneceria na mesma, pois não faz diferença ganhar de 51% ou 99%. Mas em relação a número de votos, a diferença é enorme.

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